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Gut microbiome and health: mechanistic insights

Willem M de Vos1,2, Herbert Tilg3, Matthias Van Hul4, Patrice D Cani
 

Cada novo estudo nos brinda cada vez mais com novidades sobre a relação entre o microbioma intestinal e a saúde do hospedeiro. Neste artigo de revisão, os autores, DeVos et al. fazem um “passeio” sobre o que pode explicar essa interação. Sua primeira afirmativa é de que a microbiota intestinal é, atualmente, considerada como um dos elementos-chave para a regulação da saúde do hospedeiro, e que todos os locais do nosso corpo que têm contato com o ambiente externo são colonizados por micro-organismos, sugerindo diferentes tipos de interação com nossos órgãos, que vêm sendo gradativamente decifrados com a disponibilidade das novas técnicas moleculares. Como enfatizado por Graf et al.1, a densidade da colonização e a composição das comunidades microbianas residentes nos intestinos diferem acentuadamente entre os diversos sítios anatômicos, dependendo da velocidade de trânsito, das secreções do hospedeiro, das condições ambientais (pH, oxigênio, etc.), da disponibilidade de substrato e da organização da parede intestinal. A microbiota duodenal, por exemplo, é 1.000 vezes menor que a da cavidade oral, apesar de taxa microbiana semelhante. A dieta, através da qual se fornece os substratos necessários à sobrevivência e proliferação dos vários filos bacterianos, tem papel importante na modulação da nossa microbiota digestiva. Uns poucos estudos avaliam o tipo de microbiota intestinal de acordo com a dieta. KIabeerdoss et al.2 realizaram estudo comparando a microbiota fecal de indivíduos vegetarianos com a de carnívoros, e encontraram que nos carnívoros há uma abundância relativa aumentada do gênero Clostridium XIVa, quando comparados com vegetarianos.

A maior comunidade bacteriana está nos cólons, onde, como enfatizado por De Vos et al., residem cerca de 100 bilhões de células por grama, sendo, com frequência, eliminadas, uma vez que o trânsito nos cólons é dezenas de vezes mais rápido do que no intestino delgado, predominando bactérias anaeróbias, principalmente dos filos Firmicutes (predominantemente Ruminococcaceae e Lachnospiraceae), Bacteroidetes, Actinobacteria, Proteobacteria e Verrucomicrobia (Akkermansia).

Cada vez mais se associa o microbioma intestinal a doenças, como discriminado na tabela 1, que apresenta o número de artigos publicados até dezembro de 2021 sobre cada doença em particular, segundo De Vos et al. 
 

Table 1 - PubMed-listed
 
Tabela 1 – Número de artigos publicados sobre microbioma e doenças até dezembro de 2021

É muito importante o metaboloma do ambiente, isto é, que grupo de metabólitos é produzido pela microbiota  de um determinado ambiente, o que dependerá da dieta, da ingestão de determinadas drogas (p. ex. antibióticos) e das imunidades inata e adquirida. Como a dieta poderia estar envolvida com nosso microbioma e com doenças extraintestinais? Quase todo carboidrato simples, assim como proteínas e gorduras, ingeridos, são absorvidos no intestino delgado, pouco chegando aos cólons. Carboidratos complexos, no entanto, para os quais não dispomos de enzimas, passarão, integralmente, para os cólons, onde serão utilizados como fonte de energia para bactérias residentes específicas, resultando na produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) (acetado, butirato e propionato), que regulam numerosas vias metabólicas no intestino e à distância, como no fígado, no tecido adiposo, nos músculos e no cérebro. Vários estudos experimentais têm demonstrado alguns dos inúmeros mecanismos moleculares através dos quais uma dieta rica em fibras fermentáveis (p. ex. prebióticos) poderia diminuir o ganho de peso corporal, o desenvolvimento de massa gordurosa e a resistência à insulina. Considera-se que o tipo de AGCC produzido depende do tipo de fibra ingerida. Além dos AGCC, outros componentes da microbiota intestinal têm papel importante na relação entre esta microbiota e o hospedeiro, como os lipopolissacarídios, lipídios bioativos e ácidos biliares. Além dessas moléculas clássicas, novas moléculas, como, por exemplo, as enterosinas, definidas como moléculas de origem intestinal que têm a capacidade de modular a contração duodenal por ação no sistema nervoso entérico, estão surgindo. Estas substâncias poderiam ser úteis, por exemplo, para melhorar o controle do diabetes tipo 2, situação associada a hipermotilidade duodenal. Até o momento, no entanto, não existem estudos que  conseguiram definir seu exato papel e como estimular ou restringir sua produção. Da mesma maneira, foi descoberto que o ácido 3-hidroxioctadecanoico tem propriedades antinflamatórias.

De Vos et al. concluem sua revisão chamando a atenção para o considerável progresso conseguido nas últimas duas décadas, que tem permitido afirmar que a relação entre a microbiota e a saúde do hospedeiro é irrefutável, faltando, contudo, estudos que definam a causalidade da relação, uma vez que, por enquanto, sabemos apenas haver uma correlação entre elas.

REFERÊNCIAS
1 – Graf D, Di Cagno R, Fak F, Flint HJ, Nyman M, Saarela M et al. Contribution of diet to the composition of the human gut microbiota. Microb Ecol Health Dis 2015; 26: 26164 – http://dx.doi.org/10.3402/mehd.v26.26164
2 – Kabeerdoss J, Devi RS, Mary RR, Ramakrishna BS. Faecal microbiota composition in vegetarians: comparison with omnivores in a cohort of young women in souther India. Br J Nutr 2012; 108(6): 953-57 DOI: 10.1017/S0007114511006362

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Ótimo!

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