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Streptococcus anginosus promotes gastric inflammation, atrophy, and tumorigenesis in mice

Fu K, Cheung AHK, Wong CC, Liu W, Zhou Y, Wang F, Huang P, Yuan K, Coker OO, Pan Y, Chen D, Lam NM, Gao M, Zhang X, Huang H, To KF, Sung JJY, Yu J. 
Cell. 2024 Feb 15;187(4):882-896.e17. doi: 10.1016/j.cell.2024.01.004. Epub 2024 Jan 30. 
PMID: 38295787.

Artigo seminal
Nesse artigo publicado em 2024 pelo celebrado periódico CELL, autores chineses (Hong Kong) apresentam o papel de Streptococcus anginosus no desenvolvimento de inflamação, atrofia e carcinogênese em modelo animal. O tema foi motivo de  destaque, visto que, além de H pylori, um outro patógeno pode ter participação na cascata carcinogênica.

Introdução
Os autores explicam que para explorar o papel da microbiota gástrica não-H. pylori, foi estudado o microbioma gástrico em pacientes H. pylori-negativos nos diferentes estágios da carcinogênese gástrica, desde a gastrite superficial, gastrite atrófica, metaplasia intestinal e câncer gástrico, levando à descoberta de cinco patógenos orais concentrados nos pacientes com câncer, incluindo Streptococcus anginosus (S. anginosus). Essa bactéria é um gram-positivo, não formador de esporos, presente na cavidade oral, nasofaringe, trato digestório e vaginal e que pode ser causa de infecções piogênicas, como abscessos. É resistente a ambientes com baixo pH, o que facilita sua sobrevivência na mucosa gástrica. Contudo, o papel de S. anginosus na carcinogênese gástrica ainda é desconhecido.

Métodos
A bactéria S. anginosus foi introduzida no estômago de ratos convencionais pelo método de gavagem a cada 3 dias durante 2 semanas, promovendo a colonização da mucosa gástrica pelo patógeno, confirmada por exames de hibridização in situ, PCR com detecção do DNA bacteriano no tecido gástrico e cultura do patógeno no material extraído do estômago contaminado.

Resultados
Após 2 semanas, 26% dos ratos apresentavam gastrite aguda com infiltrado de polimorfonucleares em submucosa gástrica e expressão de citocinas pró-inflamatórias.

Esse modelo animal foi ainda analisado com 3, 6, 9 e 12 meses, sendo observada a extensão da infecção para antro e corpo gástrico com padrão histológico de gastrite crônica a partir de 3 meses da infecção e maiores escores histológico de inflamação em relação ao tempo de infecção. A partir de 9 meses, foi possível observar atrofia leve de células parietais com progressão para atrofia moderada a grave aos 12 meses, quando a metaplasia mucinosa e displasia de baixo grau começaram a ser observadas. Além disso, nessa fase, foi constatada maior proliferação celular na mucosa gástrica.

Proteínas da junção estreita, especificamente expressas pelo estômago, estavam significativamente reduzidas nos animais infectados, sugerindo a ruptura da barreira gástrica mucosa por S. anginosus.

A alteração na microbiota gástrica foi observada nos modelos que apresentavam lesões pré-neoplásicas com maior concentração de Sutterella, Parabacteroides e comensais orais como Bacteroides, Prevotella, and Aggregatibacter, além da depleção de probióticos como Bifidobacterium pseudolongum e Lactobacillus, indicando que a infecção por S. anginosus altera a microbiota com possível ação pró-inflamatória e tumorigênica.

Porém, mesmo quando os pesquisadores infectaram ratos germ-free com a bactéria S. anginosus, os modelos apresentaram metaplasia intestinal a partir de 9 meses da infecção.

Posteriormente, alguns animais receberam N-methyl-N-nitrosourea (MNU) como agente indutor do câncer gástrico. Nesses, observou-se  maior incidência de tumor e de maior tamanho nos modelos infectados por S. anginosus em relação aos controles e aos infectados por H. pylori.

Conclusão
Os autores finalizam o artigo destacando o papel de S. anginosus como patógeno na carcinogênese gástrica, admitindo que novos estudos são necessários para avaliar se esse papel pode ser maximizado pela ação conjunta com outros patógenos que colonizam o estômago com câncer ou mesmo antagonizado por bactérias probióticas durante esse processo. 

Comentários:
Enquanto o papel da infecção por H. pylori na patogênese da gastrite e câncer gástrico já está bem estabelecido, esse artigo propõe que S. anginosus também atua na promoção da carcinogênese, demonstrando a cascata em direção ao câncer, ruptura dos mecanismo de barreira gástrica, aumento de interleucinas pró-inflamatórias e alteração na microbiota gástrica no processo em direção ao câncer.

Esse artigo inaugura uma nova etapa no estudo da patogênese do câncer gástrico ao apresentar S. anginosus como um novo agente capaz de promover a cascata carcinogênica, além da infecção por H. pylori. O papel dessa infecção em humanos, sua associação com outros patógenos, sobretudo H. pylori, e o risco atribuível de S. anginosus nos casos de câncer gástrico representa um novo capítulo no conhecimento das alterações patogênicas que precedem o surgimento da  neoplasia. Uma revisão recente já explora os mecanismos envolvidos na patogênese desta bactéria nas lesões pré-neoplásicas gástricas e considera, mesmo, sua eventual inclusão no diagnóstico e tratamento dessas condições1. Estudos futuros são ansiosamente esperados!

1. Qialn ST, Zhao HY, Xie FF, et al. Streptococcus anginosus in the development and treatment of precancerous lesions of gastric cancer. World J Gastrointest Oncol 2024; 16(9): 3771-80.

Comentaristas: Bruno Squárcio F Sanches e Luiz Gonzaga Vaz Coelho

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